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do mercado previdenciário – cobiçado há muito tempo pelo sistema Em poucas palavras, o governo garante a ”estabilidade macroeconômica”,
financeiro nacional e internacional. com a autonomia do Banco Central, ataca alguns gargalos de infra-
estrutura e energia, incentiva o setor privado a investir e conta com a
Concluída essa reforma, o país ficou quase pronto para integrar sorte para que a situação externa não prejudique os planos.
adequadamente o circuito da valorização financeira. Mais alguns deta-
lhes, como a nova Lei de Falências (aprovada em fevereiro de 2005), a Mas bastou apenas a sinalização de que o governo realizaria
autonomia do Banco Central, o aumento da Desvinculação de Recursos investimentos para estimular o crescimento do país para gerar des-
da União (DRU), bem como sua prorrogação e a extensão desse expe- contentamento e insatisfação dos setores rentistas, ou seja, daquela
diente para os níveis estadual e municipal, e nada mais faltará. parcela da sociedade que vive de rendas, em particular da imensa
transferência que se processa pelo Estado, o qual recolhe impostos
A autonomia do Banco Central garantirá que a política monetária oriundos da renda gerada pela sociedade toda e, como pagamento do
seja conduzida sempre de modo que honre o pagamento do serviço serviço da dívida pública, os repassa a poucos.
da dívida e que premie, com juros reais substantivos, os detentores de
papéis públicos. Tem em seu auxílio a DRU, que funciona, por outro A descomunal influência que hoje detém os interesses rentistas
lado, como o instrumento mais afiado para dar cabo dos estorvos está relacionada à atual fase experimentada pelo capitalismo – a de
promovidos pela Constituição de 1988. A Lei de Responsabilidade um movimento de acumulação que se processa sob a dominância da
Fiscal (que alguns chamam, com justeza, de Lei de Irresponsabilidade valorização financeira e que torna atraentes as periferias do sistema,
Social) contribui com sua parte, ao assegurar que os papéis emitidos não mais como alternativas para a expansão industrial, mas como
por instâncias inferiores do Poder Executivo também tenham seu serviço plataformas de ganhos rentistas.
honrado, enquanto a nova Lei de Falência trata privilegiadamente o
credor financeiro, em caso de bancarrota privada. É isso que está na raiz da servidão financeira do Estado, traduzida
na hiperortodoxia da política monetária. Como se combinou com um
Ora, um país tão sério e cônscio da necessidade de cumprir as exacerbamento do ciclo de liquidez e crescimento experimentado pela
obrigações financeiras e de premiar com elevado rendimento os de- economia mundial, o lançamento do PAC acabou por ter algum efeito
tentores de ativos financeiros merece um lugar de destaque em meio na taxa de crescimento (afinal, foi “demanda direta na veia da econo-
aos “emergentes”, com direito até a aspirar ao investment grade. mia”, como afirmou, de modo tão preciso, a ministra Dilma Roussef
por ocasião do lançamento do programa), mas não alterou em nada
A perversidade desse comportamento, porém, é parte das contradi- esse entrave estrutural. Seu lançamento só explicita o quão político
ções inerentes a um sistema que vê diminuir capital produtivo (que gera é o conflito entre gerar renda e capturar renda, particularmente num
renda real) enquanto engorda o capital financeiro (que extrai renda real do modelo em que a captura tem primazia sobre a geração.
sistema e incha ficticiamente nos mercados secundários, exigindo ainda
mais renda). Essas medidas geraram estagnação econômica, desemprego O PAC não é um plano integrado de desenvolvimento. Ao contrá-
recorde, enorme aumento da vulnerabilidade externa, o retorno do país à rio, revela dele uma concepção rasa e tecnicista. Um plano digno do
posição de economia primário-exportadora e a permanência do mesmo nome passaria pela recuperação da capacidade do país de fazer política
padrão distributivo, com inevitável crescimento da pobreza absoluta, da econômica, o que implicaria a vontade política de alterar o modelo sob
violência e da barbárie nos grandes centros urbanos do país. cuja batuta nos encontramos.
PAC 1 Daniel Martins é jornalista
Lançado em janeiro de 2007, o Programa de Aceleração do Cres-
*Leda Maria Paulani é economista e livre-docente em Teoria Econômica pela
cimento (PAC) não traz nenhuma medida que seja capaz de minorar a FEA-USP, onde é professora titular do Departamento de Economia. Também é
força desse empecilho estrutural ao desenvolvimento econômico. Longe pesquisadora sênior da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) e
de demonstrar uma suposta virada da segunda gestão do governo Lula, presidente da Sociedade Brasileira de Economia Política (SEP). Orienta trabalhos
o PAC reforçou, ao contrário, a permanência dessa concepção estreita. nas áreas de Metodologia da Economia e Marxismo, publica artigos em revistas
nacionais e estrangeiras e é membro do conselho editorial da Revista de
Economia Política. É autora de “Modernidade e discurso econômico” (Boitempo,
2005), um dos finalistas do Prêmio Jabuti 2006.
agosto 2008 41