003 2003 2014
Novo Comando
Esta edição da Por Sinal, a primeira sob o comando da nova direção do sindicato, eleita para o biênio 2017/2019, e também a primeira do décimo sexto ano de sua existência, encontra o país ainda mergulhado em grave crise institucional e fiscal. O Congresso Nacional, de forma atabalhoada, procura conciliar a apreciação de projetos legislativos com a de denúncias de corrupção contra as mais altas autoridades do país, inclusive o próprio presidente da República, Michel Temer. Enquanto isso a economia, embora com a inflação controlada, não dá sinais de crescimento adequado às necessidades, lidando ainda com um déficit orçamentário para o ano de 2017 previsto em 159 bilhões de reais. Escudado na Emenda Constitucional Nº 95/2017, que limi- ta o teto de gastos da União, o governo promove um verdadeiro desmonte do Estado, anunciando medidas restritivas aos servi- dores públicos que vão desde o adiamento de reajustes salariais previstos para 2018, já transformados em leis, para serem pagos pelo próximo governo que virá a partir de 2019, passando pelo aumento da contribuição previdenciária, pela restrição a novos concursos públicos para reposição dos quadros e pela restrutu- ração das carreiras que prevê a criação de um “carreirão” com salário inicial único de R$ 5 mil para cargos com exigência de nível superior e R$ 2,8 mil para os de nível médio. Iniciamos com o presidente do Banco Central da Bolívia, Pablo Ramos Sánchez, uma série de entrevistas com ocupantes deste cargo em países da América do Sul, onde procuraremos traçar o novo cenário econômico descortinado em nosso continente a partir das experiências de políticas desenvolvidas em cada uma das nações.
A Previdência Social continua sendo tema dos mais importantes e buscamos neste
número apresentar as atividades da Comissão Parlamentar de Inquérito da
Previdência (CPIPREV), que se desenrola, já em fase final, no Congresso
Nacional, com conclusões que diferem, em muito, das premissas do governo ao
propor a sua reforma.
O relacionamento, sempre conturbado, entre o Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social (BNDES) com os entes bancários privados, também faz parte de
nossas considerações neste número, assim como as incertezas que cercam aquele
que se intitula “principal instrumento do Governo Federal para o financiamento
de longo prazo e investimento em todos os segmentos da economia brasileira”.
Nossos articulistas, Edil Batista Júnior e Antônio Augusto de Queiroz, o Toninho
do Diap, trazem visões particulares sobre temas de relevância para o grave
momento político, econômico e social que se nos apresenta.
O novo Conselho Editorial da Por
Sinal, ciente de sua responsabilidade à frente desta publicação, que já
ocupa lugar de destaque entre aquelas produzidas por entidades sindicais, traz
como mensagem de seu Presidente, Jordan Alisson Pereira, que: “a Por
Sinal manterá seu papel de ser a porta voz dos servidores do Banco Central
nos grandes debates que afetam a sociedade brasileira, buscando influenciar
democraticamente e de maneira apartidária o processo de definição de políticas
públicas”. Boa leitura.
SINDICATO NACIONAL DOS FUNCIONÁRIOS DO BANCO CENTRAL (SINAL)
CONSELHO NACIONAL BIÊNIO 2017/2019
Presidente Fortaleza
DIRETORIA EXECUTIVA NACIONAL BIÊNIO 2017/2019
Presidente
Diretor de Estudos Técnicos
EXPEDIENTE ANO 16 NÚMERO 55 IUTUBRO 2017
Por Sinal Revista do Sindicato Nacional dos Funcionários do Banco Central do Brasil
Conselho Editorial
Daro Marcos Piffer, Edil Batista Júnior, Epitacio da Silva
Ribeiro, Jordan Alisson Pereira, Maria Juliana Zeilmann Fabris, Nehemias
Monteiro Júnior, Paula Castello Branco Teklenburg e Paulo Lino Gonçalves.
Secretária: Sandra de Sousa Leal SCS Quadra 01 – Bloco G sala 401 – Térreo Ed. Baracat – Asa Sul – Cep 70.309900 – Brasília – DF Telefone: (61) 33228208 Contato com a Por Sinal: porsinal@sinal.org.br
Redação Coordenação geral e edição: Flavia Cavalcanti (Letra Viva Comunicação)
Reportagem: Jefferson Guedes, Verônica Couto, Elane Maciel,
Cristina Chacel
llustrações: Claudio Duarte
Assessoria de Comunicação do Sinal Nacional: Rapport.
Permitida a reprodução das matérias, desde que citada a fonte. O Conselho Editorial não se responsabiliza pelas opiniões expressas nos artigos assinados.
TEMER ACELERA DESMONTE DO ESTADO
JEFFERSON GUEDES
O desmonte do Estado brasileiro é uma proposta
antiga das nossas elites. Com Temer no poder, finalmente esta ideia teve seu
executor ideal. Por trás do discurso que prega a austeridade fiscal, o governo
vem promovendo a redução drástica do papel do Estado como indutor do crescimento
e do bem-estar social. A trajetória de redução dos direitos sociais,
porém, não acontece sem sobres-saltos. Que o diga a famigerada reforma da
Previdência, cuja aprovação foi praticamente descartada pelo presidente da
Câmara, Rodrigo Maia. Sem a reforma, que iria penalizar seriamente os mais
pobres, o governo precisava de um “bode expiatório”. Carente de resultados
concretos que indiquem uma melhora na crise fiscal e com uma economia que ainda
colhe os efeitos da maior recessão já vivida pelo país, o governo escolheu o
servidor federal como seu novo alvo. Promovendo mais um ataque ao funcionalismo,
Temer pode dar sequência ao projeto das elites de enxugar o Estado. É um recurso manjado, que tem como objetivo
sensibilizar a opinião pública e com isso ocultar questões estruturais que, se
discutidas, colocariam em xeque a própria política de austeridade fiscal. Seja
como for, o fato é que um novo “pacote de maldades” está posto na mesa, com
várias medidas que prejudicam o servidor. Entre elas, o adiamento dos reajustes
dos salários previstos anteriormente para janeiro de 2018, o aumento da
contribuição previdenciária de 11% para 14%, o cancelamento do reajuste das
comissões e a revisão da estrutura das carreiras, rebaixando os salários
iniciais para R$ 5.000 e alongando-os para 30 níveis. SATANIZAÇÃO DO SERVIDOR A justificativa para a redução dos gastos com pessoal, segundo o Ministério do Planejamento, é que a folha de pagamento do funcionalismo federal é o segundo maior gasto do Orçamento – R$ 162,4 bilhões, em 2017. “Este discurso possui um viés bem definido e
totalmente parcial”, afirma Alessandra de Moura, economista do Dieese. O erro, a
seu ver, é que o governo apresenta os gastos primários da União como se fossem
os gastos totais, ignorando quase metade da execução do Orçamento Geral da
União. Considerando-se o orçamento como um todo – e não apenas as despesas
primárias –, verifica-se que em 2016, por exemplo, o
gasto com juros e amortizações da dívida pública (incluídas as operações de
swap cambial) representou 6,49% do PIB. Houve, é verdade, uma redução
significativa em relação a 2015, quando o serviço da dívida consumiu 8,36% do
PIB. Ainda assim, esta conta continua pesada, coisa que o governo simplesmente
se recusa a discutir. É mais fácil, na lógica do Planalto, atacar o
funcionalismo. Os números, porém, favorecem os servidores.
Alessandra de Moura afirma que o Dieese monitora atentamente a relação entre
receitas e gastos com folha de pessoal. Com base nos dados oficiais do Boletim
Estatístico de Pessoal(BEP), produzido pelo Ministério do Planejamento, fica
patente que o gasto com pessoal está controlado pelos critérios da Lei de
Responsabilidade Fiscal há pelo menos dez anos. Os últimos dados disponíveis
indicam que o governo gasta 39,2% de suas receitas correntes líquidas com a
folha dos servidores – muito abaixo do limite de 50% definido pela LRF.
NÚMEROS INCONSISTENTES O ministro do Planejamento, Dyogo Henrique de
Oliveira, afirma que mudanças como a redução da remuneração de ingresso e
ampliação das etapas de progressão de carreira terão um impacto de R$ 18,6
bilhões em cinco anos na redução da folha. O ministro disse ainda que cada novo
servidor custará 70% a menos. As inconsistências não param por aí. Nehemias Monteiro lembra a edição da MP 765, pelo mesmo governo Temer, em 29/12/2016. A MP reorganizou cargos e carreiras, como a dos auditores fiscais, que receberam aumento no salário inicial, bônus de eficiência e redução dos níveis na tabela salarial. Eram 13 níveis, reduzidos pela MP para nove, permitindo ao auditor chegar mais rápido ao teto da carreira. Além disso, houve redução no tempo mínimo para passagem de um nível para o seguinte: eram 18 meses, foram reduzidos para 12. A lógica da MP 765, segundo o dirigente do Sinal-RJ, era valorizar o funcionário público que ingressava na máquina estatal. Ao mesmo tempo, esta valorização servia também para atrair profissionais que já tenham certa experiência – requisito importante em cargos estratégicos, como o de auditor fiscal. Ou seja, a MP 765 fazia todo o sentido. Como pode então, questiona Nehemias, que menos de um ano depois o governo venha com um pacote de medidas que vai na direção oposta, ampliando os níveis hierárquicos e reduzindo o salário inicial de várias carreiras de igual sentido estratégico?
TERCEIRIZAÇÃO EM MARCHA
Cortar
a folha do funcionalismo não vai fechar o rombo fiscal, o próprio governo sabe
disso. Mas quais os desdobramentos desse jogo? A ampliação da terceirização e,
com ela, uma privatização disfarçada do Estado? As medidas do governo podem
levar a um colapso nos serviços públicos? “Se o cargo já está extinto ou em vias de ser
extinto, por que a necessidade de permitir a contratação por meio de
terceirização?”, questiona a economista. “Já se pode imaginar como será o
serviço público daqui a alguns anos com a combinação de um sistema de demissão
por desempenho míope e permissão para terceirização desenfreada.” Ela entende que o desempenho de um servidor
não está ligado somente à sua capacidade intrínseca, mas também às condições de
trabalho e aos investimentos para execução do seu trabalho. “Quais serão os
critérios de avaliação desse desempenho num cenário onde as despesas com custeio
da máquina pública e investimentos estão sendo completamente alijadas?”,
questiona. Para Nehemias Monteiro, o colapso dos serviços
públicos já está acontecendo. A Polícia Federal ficou quase um mês sem conseguir
emitir passaporte, apesar de o governo coletar as respectivas taxas. Várias
universidades federais já disseram que só têm dinheiro para pagar suas contas
até outubro. A Polícia Rodoviária Federal não vai poder manter seus postos
funcionando durante a noite, porque não tem recursos. Mesmo a atuação das tropas
federais no Rio, que vive um estado de guerra permanente, também está
comprometida, porque não há recursos. Já estamos vivendo este colapso e isso vai
aumentar nos próximos anos”, afirma Nehemias. Ele faz tal previsão não porque
seja um profeta, mas sim porque esta é a consequência óbvia da aprovação do Teto
de Gastos. Mesmo que o país confirme o final da recessão e volte a crescer, as
despesas não poderão crescer devido ao teto estabelecido na Constituição. A
demanda por mais serviços vai aumentar, até por conta do aumento populacional,
mas toda a máquina pública estará emperrada. “Com o Banco Central não vai ser
diferente”, acrescenta o dirigente do SinalRJ. “Vai faltar dinheiro para pagar
as contas tanto nas regionais quanto na sede. O Estado brasileiro pode ter
entrado em uma armadilha.” (Ver matéria sobre esvaziamento do Banco Central na
página 11) REMÉDIO OU VENENO? A mídia liberal tem produzido reportagens e
editorais com a defesa de “uma reforma trabalhista no setor público”. O objetivo
seria alinhar as políticas salariais dos três poderes. Até que ponto uma reforma
dessa amplitude seria prejudicial para os servidores a ponto de comprometer o
próprio funcionamento da máquina pública? Nehemias não descarta a ideia da reforma. É
necessário, a seu ver, ajustar melhor cargos, funções e remunerações. O problema
é que, frequentemente, o governo erra na direção e na dose. E aí o remédio pode
virar veneno. Para o dirigente do Sinal-RJ, existem distorções salariais
significativas que deveriam ser consideradas no âmbito de uma reforma
trabalhista do serviço público. Dentro do Executivo, por exemplo, encontramos
carreiras que exercem funções com graus de complexidade semelhantes, mas que não
são remuneradas com isonomia. Há também a necessidade de equiparação ou
realinhamento entre carreiras similares. Isso, sem falar em distorções
gritantes, como valores de auxílio alimentação bem mais elevados no Legislativo
e no Judiciário. Enfim, há muito por fazer. Mas por onde começar? Para Alessandra de Moura, a questão central é
a regulamentação da negociação coletiva no setor público, prevista na
Constituição de 1988 e até hoje sem definição. Na visão da economista, a
negociação coletiva é um instrumento estratégico e democrático para garantir o
equilíbrio entre os interesses do governo e os interesses dos servidores. Regulamentada a negociação coletiva, haveria, segundo ela, uma base sólida para a criação de uma política salarial permanente no serviço público. Enfim, os servidores não querem defender apenas seus salários, mas igualmente um Estado forte e presente. Há uma estreita relação entre ambos. Na situação atual, tanto os servidores quanto o Estado brasileiro se enfraquecem. E quem perde com isso é a sociedade. “O Estado não é uma empresa”, afirma
Alessandra de Moura. “Ainda mais diante da realidade de um país com tantas
desigualdades regionais e gargalos no seu desenvolvimento. O debate sobre a
folha dos servidores não pode ser desconectado do papel que o Estado deve ter na
sociedade.” Ampliar esta discussão na sociedade é uma das
grandes tarefas dos servidores nos próximos meses. Consciente disso, o Fórum
Nacional de Carreiras Típicas de Estado (Fonacate) divulgou nota à imprensa e à
sociedade comunicando que as carreiras estarão em estado de mobilização
permanente contra as medidas anunciadas pelo governo federal. “Mais uma vez, os servidores públicos são
utilizados como ’bode expiatório’ de uma crise gestada por seguidos equívocos de
política econômica associados a escândalos de corrupção sem precedentes. Mesmo
nesse contexto, o funcionalismo sempre esteve comprometido em oferecer um
serviço público de qualidade. É de se lamentar, ademais, que as medidas
apresentadas pelo governo não tenham sido discutidas com as entidades
representativas dos servidores públicos, que sempre estiveram abertas ao
diálogo. Diante disso, estamos prontos para nos mobilizarmos e combatermos
frontalmente esses absurdos e apontarmos os verdadeiros vilões que tanto
contribuem para o atraso e para a crise que se instalou no Brasil nos últimos
tempos”, diz a nota.
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SINAL ALERTA PARA ESVAZIAMENTO DO BC
Sinal já ligou seu sinal de alerta com o progressivo desmonte do Banco Central. A palavra “desmonte” pode soar forte, mas há vários indícios nesse sentido. E não é de hoje. A questão vem sendo discutida há mais de uma década nas Assembleias Nacionais Deliberativas (ANDs) da categoria. O Relatório “Desmonte e Esvaziamento do Banco Central – Efeitos Internos e Externos”, divulgado na 21ª AND, em 2006, já fazia uma análise bastante sombria do esvaziamento da instituição. Segundo este relatório, o avanço do
receituário neoliberal no Brasil, a partir de meados da década de 90, também impactou as políticas do Banco Central. Conceitos como “desburocratização” e “modernidade”, então associados à proposta
de Estado mínimo, levaram o Banco Central a implementar mudanças que acabaram
afetando importantes atribuições legais. A área de fiscalização, por exemplo, ganhou o status de supervisão,
privilegiando a análise indireta, em detrimento da verificação do cumprimento de normas por parte das instituições financeiras e consórcios. O controle cambial foi outra função afetada. Segundo Cleber Santos, gerente da Regional Recife de 2004 a 2016, hoje este controle “é pífio ou quase inexistente”. Ele afirma que é muito fácil checar tal afirmação. É só verificar a evasão de divisas ocorrida nos últimos anos e, também, as movimentações ilícitas produzidas pelos doleiros e políticos, fartamente documentadas pela Operação Lava-Jato. “Esses fatos não ocorriam quando o Bacen tinha o controle e gestão do sistema”, avalia.
Outro problema, fruto da chamada “reestruturação” do Banco Central, é a centralização
da maioria das atividades-fim em poucas representações, deixando a população de
algumas regiões do país sem qualquer respaldo da autoridade monetária. A tabela na página 12 mostra a falta de representação dos departamentos do Banco Central nas regionais.
Única regional do BC da região Norte, Belém conta com representações de apenas seis departamentos: o Mecir (Departamento de Meio Circulante), Deseg (Departamento de Segurança), Depec (Departamento Econômico), Deati (Departamento de Atendimento Institucional), Desuc (Departamento de Supervisão de Cooperativas e de Instituições Não Bancárias) e a Gerência Administrativa Regional. Uma carência expressiva! A supervisão bancária no Norte é um dos serviços que mais se ressentem da carência de equipes locais. O banco da Amazônia e o Banpará, por exemplo, são supervisionados por equipes do Rio de Janeiro e de Belo Horizonte. Já a análise de documentos e autorização para funcionamento das instituições financeiras do Norte é feita em Recife ou Curitiba, o que também implica em elevados custos com deslocamentos para essas cidades. A sub-representação está diretamente associada à falta de pessoal em todas as praças em que o Banco atua. De 2007 até 2016, conforme o último dado fechado do Depes, o BC perdeu 1.055 servidores, reduzindo o quadro funcional da instituição para pouco mais de 4 mil (ver tabela abaixo).
Dados provisórios do ano em curso ampliam este déficit. Em agosto de 2017, o quadro ficou reduzido a 3.917 servidores. Com isso, o déficit de pessoal atingiu a marca de 2.553 servidores, que corresponde a 39,45% do efetivo previsto em lei (6.470 vagas). A pergunta mais óbvia, então: a direção do Banco vai assistir inerte ao esvaziamento progressivo da instituição? Não necessariamente. É fato que o BC solicitou ao Ministério do Planejamento a liberação de 990 vagas para um novo concurso. Aliás, estão nas gavetas do Ministério do Planejamento os pedidos de novos concursos feitos por 32 órgãos federais para 2018. Mas, em plena vigência do Teto de Gastos, o atendimento desses pedidos será bastante seletivo. Em reunião com representantes de diferentes categorias no fim de agosto, o secretário de Gestão de Pessoas do Ministério do Planejamento, Augusto Akira Chiba, afirmou que o governo deverá atender a apenas 20% dos pedidos de concurso recebidos. O déficit do pessoal no Banco Central, ao que tudo indica, permanecerá elevado. E se a realidade atual já é delicada, o que
poderemos projetar para os próximos anos com a aprovação do pacote de maldades do governo para o servidor? Miriam de Oliveira, que foi chefe do Departamento de Gestão de Pessoas (Depes) por três anos e hoje é voz presente nos debates da categoria, não esconde sua preocupação. Ela entende que as medidas anunciadas pelo governo vêm de encontro às expectativas dos servidores do BC e aprofundam o descontentamento. “Esse sentimento não pode ser ignorado, sob pena de comprometer a qualidade dos serviços”, avalia. Há algum tempo, segundo Miriam, é possível perceber o interesse dos servidores, notadamente os mais novos, em concursos para outras carreiras, consideradas mais atrativas. Os principais motivos, a seu ver, são o valor e o modelo de remuneração e a oportunidade de ser lotado em outras cidades que não aquelas em que o BC tem representação. Ainda assim, ela faz questão de ressaltar que o quadro de servidores do Banco é de muita qualidade. “Apesar dos pesares, os funcionários têm cumprido sua obrigação e demonstrado compromisso com os valores da instituição.” No entanto, ela chama a atenção para o descompasso entre a remuneração da carreira especialista e de outras carreiras de igual nível de importância. A seu ver, isso tem alimentado um profundo sentimento de desvalorização entre seus integrantes. A Lei 4.595/64, que dispõe sobre a existência do Banco Central, é sempre uma referência importante quando se discutem os rumos da instituição. Em seu parágrafo 2°, inciso VIII, a lei estipula que “o Banco Central da República do Brasil instalará delegacias, com autorização do Conselho Monetário Nacional, nas diferentes regiões geoeconômicas do país, tendo em vista a descentralização administrativa para distribuição e recolhimento da moeda e o cumprimento das decisões adotadas pelo mesmo Conselho ou prescritas em lei”. A política em vigor, que retira funções das regionais, não estaria em desacordo com este princípio básico da Lei 4.595/64?
Para Edilson Rodrigues, do Sinal de Belém, é preciso rever este modelo. Não só por conta da deterioração da qualidade dos serviços, mas também por uma questão estratégica: uma forte presença do Banco Central na região ajudaria a reverter a desigualdade regional do país. É sabido, segundo Edilson, que a presença do sistema financeiro contribui significativamente para o desenvolvimento. A ampliação da presença do Banco Central em Belém é fundamental dentro de um contexto maior de definição de políticas públicas para o desenvolvimento regional. Se não fizermos um esforço para alterar esta situação, avalia, a desigualdade se perpetua.
O que fazer, então? Edilson Rodrigues e seus colegas de Belém elaboraram um documento, aprovado em assembleia do Sinal, com algumas propostas bem específicas para reverter o esvaziamento daquela regional. A primeira delas consiste na elaboração de planejamento visando a ampliação de representações de departamentos. Esse estudo seria feito pelo Departamento de Planejamento, Orçamento e Gestão do BC (Depog). Outra medida fundamental, segundo o documento, é a reversão do fechamento da representação da Procuradoria Regional do Banco Central em Belém. A Procuradoria atua para preservar os direitos de todos os usuários do sistema bancário, como investidores, depositantes e poupadores, à medida que auxilia o Banco Central do Brasil na fiscalização das instituições financeiras. Todas as regionais têm uma Procuradoria própria, menos Belém. A equipe remota sediada em Brasília, proposta para substituir a Procuradoria de Belém, poderia ser mantida como suporte ao procurador lotado na capital paraense, até mesmo para representação em audiências, caso necessário. A reposição de servidores transferidos da Regional de Belém é outro item essencial desta pauta. O objetivo aqui é garantir um contingente mínimo compatível com a continuidade das atividades e necessidades da região. Finalmente, os funcionários do BC na região defendem o remanejamento da coordenação do Departamento Econômico em Belém, hoje sediada em Fortaleza.
“É preciso defender áreas estratégicas como o Mecir (Meio Circulante)”, argumenta. “Atualmente, existe a possibilidade de se transferir toda a atividade de Meio Circulante para o Banco do Brasil, o que fere frontalmente a previsão contida na Lei 4.595, que estabelece a atividade de Meio Circulante como privativa do Bacen.” Lutar para manter o Mecir na esfera do BC é um caminho, segundo Cleber Santos, de valorizar a instituição, garantindo que ela possa contribuir para o fortalecimento de um Estado forte e inclusivo. Avante na luta, então!
VERÔNICA COUTO
A CPI da Previdência Social, criada para
investigar as contas e a viabilidade do modelo brasileiro, concluiu que grandesgrupos
econômicos, liderados pelos bancos, empreiteiras e frigoríficos, estão
promovendo uma sangria bilionária nos recursos da Seguridade Social. De
acordo com os dados levantados pela Comissão, a Previdência é sustentável,
ao contrário do que diz o governo, e não é preciso reformá-la. O problema
está na gestão do Sistema, que precisa ser corrigida e melhorada. Para
tanto, os parlamentares propõem alterar a Lei de Execução Fiscal, o Código
Penal e as estruturas de controle e fiscalização com vistas a penalizar os
“devedores contumazes” – empresas que, mesmo lucrativas, há anos não pagam
suas contribuições previdenciárias. A seu favor, segundo o relatório da CPI,
esses devedores têm os sucessivos planos de refinanciamento fiscal (Refis),
considerados por técnicos consultados pelos parlamentares como um incentivo
à sonegação, e a morosidade da Justiça. A apresentação do relatório final da
CPI está prevista para outubro. Da Dívida Ativa da União – R$ 1,8 trilhão
no período junho 2016 a junho 2017 –, R$ 424 bilhões referem-se a valores
devidos à Previdência e outros R$ 530 bilhões, a contribuições sociais. Só
de apropriação indébita, quando a empresa desconta a contribuição do
trabalhador mas não a repassa ao Estado, são cerca de R$ 25 bilhões por ano,
na estimativa de Paim. “A Previdência é sustentável, o problema é
a má gestão”, garante o senador. “O que vimos na CPI foi a não cobrança das
dívidas, a sonegação, a fraude e a falta de estrutura de fiscalização.”
Atualmente, os maiores devedores operam em brechas regulatórias e
judicializam as cobranças, apelando para recursos protelatórios – muitas
vezes, impetrados por advogados públicos, que conduzem os processos a
intermináveis labirintos jurídicos. “Muitas empresas estão deixando de pagar
as contribuições como uma estratégia de negócio, para obter vantagem
competitiva no mercado”, acredita.
O cenário de perdas toleradas detectado
pela CPI acendeu um sinal de alerta dentro do governo. À medida que se foi
delineando para os parlamentares a sistemática construída ao longo dos anos
pelas empresas para escapar da contribuição da Previdência, o problema
finalmente começou a surgir na pauta oficial. “O que não aparecia antes,
agora começa a aparecer. Eles já admitem que existe fraude”, destaca Paim. Em outra reportagem, publicada no O Globo, de 26 de setembro, a Receita Federal informava que “mais de 46 mil empresas não recolheram a previdência dos seus funcionários nos últimos quatro anos”, o equivalente a R$ 1,406 bilhão sonegados. Corporações de risco ambiental, do segmento químico, siderúrgico e da construção civil, por exemplo, deixaram de pagar o adicional previdenciário (alíquotas de 2% e 3%), devido aos riscos que a atividade impõe aos trabalhadores, recolhendo apenas 1%. A Receita teria enviado alerta aos sonegadores. Mas os que forem autuados, segundo recomendação do próprio subsecretário de Fiscalização da Receita, Iágaro Martins, poderão aderir ao novo programa de recuperação fiscal (Refis) – o mais recente foi aprovado no fim de setembro, com mais descontos e facilidades.
“OS BENEFÍCIOS” DO REFIS Para Paulo Penteado, os Refis se sucedem há décadas e “são um incentivo ao não pagamento dos tributos, um indutor de mau comportamento fiscal”. Estudo da Unafisco estima uma queda anual na arrecadação da ordem de R$ 27,5 bilhões, como efeito do anúncio recorrente de novas condições de renegociação. “Os advogados já me ligam para saber quando vão abrir novos parcelamentos”, conta o procurador-chefe da Dívida Ativa da 3ª Região, Wellington Viturino de Oliveira. Ou seja, as empresas já se preparam para o parcelamento e optam por não pagar as dívidas nem fazer o recolhimento dos tributos. Desde 2000, já foram mais de 30 programas de refinanciamento de débitos tributários, segundo Vilson Romero, assessor de Estudos Socioeconômicos da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip). “Na Previdência, hoje, vemos programas
beneficiando prefeituras que não recolheram de seus empregados celetistas,
empresários do agronegócio sendo beneficiados com isenções ou alongamento de
prazo e diminuição de taxas para pagarem contribuições previdenciárias
rurais”, adverte. “Todas essas medidas são o equivalente a ‘fazer esmola com
o chapéu alheio’, fragilizando o cofre da Previdência Social.” A ideia de parcelar o débito para evitar que a empresa vá à falência é interessante, mas não há critérios objetivos, nem análise dos dados contábeis para aprovar a adesão ao Refis”, afirma Antônio José, diretor da Associação dos Juízes Federais (Ajufe). “Com forte lobby no Congresso Nacional, as empresas acabam ingressando no programa, mesmo tendo condição de pagar a dívida. Trata-se de uma estratégia de concorrência desleal, que afronta o próprio sistema capitalista.”
A lista de grandes devedores da Previdência – que coincide com a dos devedores trabalhistas, de acordo com a secretária da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho, desembargadora Silvana Abramo – inclui, além de bancos, empreiteiras e frigoríficos, grandes corporações, como a Vale, estados e municípios (que têm regime próprio, mas não fazem os repasses devidos à União), instituições de ensino e empresas de terceirização.
A mecânica da operação segue basicamente o
mesmo roteiro. Muitas empresas exportadoras acumulam créditos presumidos de
PIS e Cofins. A Receita os fiscaliza, para que sejam ou não homologados.
Antes da devolução do crédito, apura se a empresa tem débito e propõe a
compensação, mas em ritmo extremamente lento. De acordo com Felipe Ricetti
Marques, representante da Swift Armour, uma das devedoras convocadas à
audiência da CPI, a empresa tem processo administrativo relacionado a
crédito fiscal, já homologado, parado há 11 anos na administração pública. A
JBS, com R$ 2,4 bilhões inscritos na Dívida Ativa, alega ter R$ 1,5 bilhão
de créditos homologados a receber da União, de acordo com o gerente jurídico
da sua área tributária, Fábio Chilo. “Retardar a liquidação de uma dívida é um
excelente negócio para o Tesouro Nacional”, alertou o senador José Pimentel
(PT-CE). Basicamente, porque os créditos retidos pelo governo não são
repassados à Previdência. Por isso, a CPI vai propor medidas legais que
impeçam a inclusão de contribuições previdenciárias e tributos destinados à
Seguridade Social, como PIS, Cofins e CSLL, nas operações de compensação. A compensação fiscal demora, e a execução fiscal das dívidas, também. O juiz federal Renato Lopes Becho calcula que a administração tributária leve em média cinco anos pra ajuizar uma execução fiscal. Com a demora, muitas vezes, os devedores já terão desaparecido na hora da cobrança. “Segundo o IBGE, das empresas que entraram em atividade em 2009, mais da metade não sobreviveu”, observa. Marcelo Fernando Bolsi, representante da
Federação Nacional dos Delegados da Polícia Federal (Fenadepol), estima que
a cobrança das dívidas consiga recuperar menos de 5% do que é executado.
Para garantir a exequibilidade das dívidas, ele recomenda que a execução
possa ser feita por meio de processo administrativo, como acontece na
Espanha. “Se todos pagassem em dia, não seria preciso nenhuma reforma, como essa proposta pelo governo, que ataca diretamente os mais pobres”, afirmou Paim, durante uma audiência pública da Comissão. “Dão anistia para o devedor, e depois mandam o trabalhador pagar, pagar, pagar, e não conseguir se aposentar.” Em tempo: a proposta de reforma da Previdência do Planalto, destaca o senador, não traz uma linha sobre combate a fraudes.
FUTURO SOMBRIO PARA O BANCO DE FOMENTO
CRISTINA CHACEL
A decisão em Brasília fez tremer os alicerces do imponente edifício da Avenida Chile nº 100, no Rio de Janeiro, sede do BNDES. Na prática, o dinheiro do funding institucional do Banco -o FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador) e os empréstimos do Tesouro -ficou mais caro. Será remunerado por uma taxa equivalente à NTN-B (Nota do Tesouro Nacional, Série B), com vencimento médio de cinco anos, formada pela variação do índice oficial de inflação, o IPCA, mais o rendimento real do título. Trata-se de uma guinada. Desde a edição do Plano Real, em 1994, os empréstimos do BNDES são regidos pela TJLP, a Taxa de Juros de Longo Prazo, arbitrada pelo Conselho Monetário Nacional com base na meta de inflação e do risco-país, mais baixa e flutuante, que vem sendo mantida em 7%. Sem a vantagem da taxa incentivada, o BNDES perde competitividade. Nos últimos anos, a diferença entre a NTN-B de cinco anos e a TJLP foi superior a cinco pontos percentuais. A aposta é de que o ente mercado -leia-se bancos comer ciais
privados, nacionais ou estrangeiros absorverá automaticamente perto de 50%
das operações do banco público. O custo do investimento produtivo no Brasil
oscilará ao sabor das mudanças de temperatura e pressão do sistema financeiro
global. Peças no tabuleiro, este é o novo jogo a jogar. “O que a gente vinha falando está acontecendo: a redução do Estado brasileiro. Estão desmantelando o legado de Getúlio Vargas. A CLT, a Petrobras, a Eletrobras e o BNDES. Este é um projeto que começou com Collor e FHC, foi interrompido na Era Lula, e, agora, aproveitando-se do momento de fragilidade do país, está sendo completado pelo governo Temer”, pontuou o economista Thiago Mitidieri, presidente da Associação de Funcionários do BNDES.
A argumentação do governo em defesa da mudança no custo financeiro do BNDES é de ordem fiscal: o impacto na dívida bruta do subsídio implícito associado à diferença entre a TJLP (7%) e a taxa primária de juros, a Selic, que, após longos meses estacionada em estratosféricos 14,25%, vem sendo derrubada em ritmo de aventura pelo Copom, e no momento do fechamento desta edição da Por Sinal está contida em 8,25%. Alegam ainda os defensores da nova TLP, proposta pela novíssima geração de economistas reconhecidos como neoliberais, razões de política monetária. A TJLP seria um fator de redução da potência monetária e responsável pela alta da taxa Selic. “Na prática, não tem nenhum impacto no indicador da dívida líquida, porque o Tesouro, de um lado, emitiu o título e, do outro, constituiu o ativo. Um anula o outro. Na dívida bruta, o estoque de aportes não entra como ativo. A Fazenda argumenta que o endividamento do setor público não pode ser medido pela dívida líquida porque os ativos são de longo prazo, 35 anos, e, portanto, não tem liquidez. Só que agora o Tesouro está pedindo a devolução antecipada dos aportes que se acumularam no caixa do banco com a recessão. Mas esses aportes estão aplicados em títulos públicos. Se considerarmos que todas as receitas do BNDES são receitas do Estado brasileiro, é uma soma zero. No fluxo, esse dinheiro que está no caixa do BNDES não tem custo fiscal porque é devolvido sob a forma de dividendos.” A aprovação da TLP, é fato, reacende o debate econômico e reprisa, em projeção nacional, o clássico antagonismo entre capital produtivo versus capital financeiro, desenvolvimentismo versus liberalismo, Fiesp versus Febraban, que parecia amortecido na Era PT. A cartilha neoliberal recomenda ajuste fiscal por meio de corte de gastos, mesmo que ao custo social de uma longa recessão e 14 milhões de desempregados. A desenvolvimentista preconiza que o melhor jeito de alcançar o ajustamento é promovendo crescimento econômico, uma prerrogativa do Estado, que tem o poder sobre a circulação da moeda. Marcelo Miterhof, economista de carreira do banco, da escola desenvolvimentista de Campinas, a Unicamp, e que durante a gestão de Luciano Coutinho atuou como assessor da presidência, critica a lógica desta política econômica: “Eles apostaram na fada da credibilidade. A Dilma sai, a gente anuncia corte de gastos e os mercados vão ficar mais otimistas. Os prêmios de risco vão cair, os juros acompanham a queda e a economia cresce. Só que não é assim que funciona. Primeiro, os mercados não ficaram tão otimistas. Segundo, o que eles chamam de ajustamento fiscal é um desajustamento, porque a recessão provoca queda das re ceitas tributárias. A rigor, a política fiscal é mais importante que a monetária. Os juros estão caindo por conta da recessão brutal e não está adiantando nada.” Nessa disputa, o BNDES é bucha de canhão. Beatriz Meirelles comenta: “É o fetiche dos anos 1990. Não resta a menor dúvida que o projeto em curso é reduzir o BNDES à insignificância. Por que a TLP leva a isso? É uma taxa mais alta, muito volátil e pró-cíclica. Quando a economia vai mal, a taxa sobe. Quando vai bem, cai. Com este custo do funding, o BNDES fica sem qualquer instrumento para fazer política industrial. Não dispõe de ferramenta de trabalho nem para financiar projetos de alta externalidade, que é a concepção ultraliberal de banco de desenvolvimento.”
Não por outra razão, em sua função exígua, o BNDES fomenta infraestrutura e inovação, ambos setores de alta externalidade, por meio de crédito dire cionado. O que vai ser desses empreendimentos, com o advento da TLP, ainda é uma incógnita. Há quem aposte que os investidores do setor de infraestrutura vão buscar capital mais barato no exterior, o que expõe o tomador a um risco cambial. Já os esforços em inovação poderiam ser absorvidos todos pela Finep, que já atua no financiamento de tecnologia e conhecimento de fronteira. Isso se a nova taxa refletir um ambiente de estabilidade econômica, o que não se garante. Como se trata de uma taxa de curto prazo, incorpora a incerteza em sua metodologia. Explica Marcelo Miterhof: “A TLP é mais volátil que a TJLP e a própria Selic, porque é um título de cinco anos. A Selic é título de um dia, administrado na rédea curta. O BC garante a meta. Para a taxa de cinco anos o BC não garante. O administrador que puser recurso no título de cinco anos corre alto risco. A TLP está mais exposta às respostas do mercado. Transfere para o investimento uma volatilidade meramente financeira.” Mário Bernardini não alimenta ilusões: “As grandes empresas vão começar a importar e o índice de nacionalização, que não é uma obrigação, mas uma contrapartida, vai despencar. Mataram o conteúdo nacional, em nome de umapotência monetária absolutamente irrelevante, pois o financiamento do BNDES representa 2,5% do sistema de crédito. A TLP é uma maluquice. É tudo o que o Brasil não precisa, elevar o custo do financiamento a um nível desconhecido. O mercado brasileiro está desenhado para favorecer o rentismo e o ganho financeiro. No exterior, as máquinas e equipamentos podem ser financiados pelos bancos comerciais porque os juros são de 2% ao ano. No Brasil, o financiamento do setor de máquinas e equipamentos, pelo BNDES, é um mal necessário.”
Contradições e incongruências levam empresários e economistas do BNDES a concluir que as razões para a mudança não são de ordem econômica, mas de cunho ideológico. Mário Bernardini diz que a aprovação da TLP no Senado foi transformada em uma verdadeira guerra santa. Não houve discussão. Não se contabilizou, tampouco, o ganho dos bancos comerciais com a mudança. Nem se eles vão, de fato, cobrir o vazio deixado pelo BNDES com a desidratação do Finame. Trata-se de uma liberalidade de mercado. E tudo dependerá de como o mercado vai reagir aos conflitos bélicos e não bélicos mundo afora, que não são poucos. Um espirro na Coreia do Norte pode gripar de uma só vez todos os chamados países periféricos – sim, eles existem, e o Brasil é um deles.
Afirmar hoje o que vai ser do BNDES, a partir do ano que vem, é puro exercício de futurologia, avisam os economistas ouvidos nesta reportagem da Por Sinal. Muita água ainda vai rolar por debaixo da ponte em um ano eleitoral tensionado pela criminalização e a radicalização da política. O que vai sobrar do banco de desenvolvimento do Brasil ainda é uma incógnita. Pode acontecer de a vigência da nova TLP ser postergada, como já ensaiou sugerir a Febraban, para que as equipes de TI dos bancos comerciais possam se ajustar às mudanças. “O encolhimento é inevitável. Metade do BNDES é de financiamento de até cinco anos. É Finame, venda de máquinas, equipamentos, caminhões e ônibus, por operações indiretas, via bancos, que simplesmente captam o dinheiro do BNDES. Com a Selic baixa, não precisa nem de TLP. Os bancos vão absorver essas operações facilmente. Se der pra praticar a taxa Finame e o cliente é dele, o Itaú des liga o Finame, despluga, vira a chave. Fiz um cálculo: o BNDES, que já foi um banco de R$ 900 bilhões, tenderia a encolher para um estoque de R$ 300 bilhões. Vai fazer o longo prazo e atender à pequena e média empresa, se oferecer um caixa diferente.”
Tão logo assumiu, lançou no mercado o Livro Verde do BNDES, um balanço dos últimos 16 anos, com a intenção clara de derrubar mitos e conter lendas. Desde a primeira hora, Paulo Rabello saiu em defesa do patrimônio intelectual e moral do BNDES. O humor no banco mudou. Monetarista da velha guarda, Rabello imprimiu seu estilo à administração. No primeiro momento, qualificou a nova TLP de “taxa muito nervosa”. Criticado pelo governo, recuou. O que se comenta é que, embora divirja do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, não pretende contrapor-se abertamente.
A POLITIZAÇÃO DA JUSTIÇA EDIL BATISTA JUNIOR
Denomina-se “ativismo judicial” ou
simplesmente “ativismo” quando o juiz ou o tribunal age além do que deveria
no campo jurídico, provocando uma interferência na atividade política dos
demais poderes da República. A expressão é atribuída ao duplamente vencedor
do Prêmio Pulitzer, Arthur Schlesinger Jr., historiador e crítico social
norte americano, quando da publicação, em 1947, de um artigo sobre a atuação
da Suprema Corte daquele país. É importante notar que um único voto de um
ministro do STF, ao desempatar questão polêmica, pode tornar sem efeito uma
decisão política tomada pelo chefe do Executivo, legitimado por milhões de
eleitores, ou desautorizar decisão adotada pelo Congresso Nacional, onde
discutem, de forma soberana, os representantes do povo e dos estados. do Conselho Nacional de Justiça. É que o
CNJ não tem legitimidade para rever decisões tomadas pelos juízes e
tribunais. Além disso, é um órgão vinculado ao próprio Poder Judiciário,
composto por um número significativo de juí zes (nove entre 15 membros,
dentre os quais apenas dois cidadãos representando a sociedade civil). O pretor detinha o poder (potestas)
de resolver os conflitos pelos editos, mas se socorria dos
prudentes para auxiliá-los nessa tarefa. Através das responsas, os
prudentes atuavam como jurisconsultos, formando um acervo intelectual
poderoso. A atividade dos prudentes não era remunerada, tinha o caráter de
múnus público, como o voto.
ENTREVISTA PRESIDENTE DO BANCO CENTRAL DA BOLÍVIA Iniciamos nesta edição uma série de
entrevistas com presidentes de bancos centrais da América do Sul
buscando saber como avaliam o atual cenário econômico mundial, quais
medidas monetárias, cambiais e financeiras têm sido adotadas para manter
equilibrada a economia nacional e, principalmente, o que esperam para o
futuro que se apresenta. Sustentabilidade, comunicação com a sociedade,
educação financeira e relacionamento com seus funcionários também são
temas abordados. O primeiro entrevistado é Pablo Ramos Sánchez,
presidente do Banco Central da Bolívia, país que fechou 2016, pelo
quarto ano consecutivo, com crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) -
4,2% - e prevê para 2017 outra alta da ordem de 4,8%. Com inflação
controlada, na casa dos 3,5%, taxa de juros em torno de 3,0% e de
desemprego em 7,5%, a Bolívia espera continuar sendo um modelo de
crescimento para a sua região (*). Esperamos que estas entrevistas
venham a servir para que possamos ter uma visão mais ampla do que ocorre
com nossos vizinhos próximos, países com economias incomparáveis, por
dimensão de negócios e extensão territorial, com a do Brasil, mas que
por certo têm posicionamentos interessantes que podem contribuir para a
compreensão do que ocorre em nosso continente.
Como analisa o atual cenário econômico mundial, em termos de estabilidade, ante a crise de 2008 nos Estados Unidos e, em particular, nas economias dos países da América do Sul? O que devemos esperar em um futuro próximo? A crise de
2008 afetou todos os países, causando vários tropeços nas atividades
financeiras. Ante esse ciclo econômico recessivo, a Bolívia respondeu
com uma política contracíclica. Enquanto os demais bancos centrais e
estados adotaram políticas pró-cíclicas, efetuando restrições ao crédito
e à base monetária ao elevar as taxas de juros, nós utilizamos um
mecanismo contrário: diminuímos as taxas de forma significativa, com o
propósito de manter os níveis de crédito elevados para deixar a economia
permanentemente abastecida com os meios necessários para levar adiante
os programas de investimento. Dessa maneira, continuamos investindo nas
obras de infraestrutura (que foram a base para o desenvolvimento
econômico do país nesta última década), e mantivemos as políticas
sociais (bônus para crianças, idosos e mulheres gestantes) e as
transferências que o Estado faz dos setores mais abastados para os
setores carentes. Nesse sentido, enfrentamos a crise através de uma
política inversa às recomendações da economia ortodoxa, mantendo uma
política monetária expansiva para que o crédito pudesse fomentar o
investimento de forma permanente.
Espera-se da autoridade monetária medidas que promovam a estabilidade de
preços e o crescimento econômico. Como se pode resolver a contradição
entre a manutenção da estabilidade monetária e do controle da inflação
com a melhoria da oferta de empregos, por exemplo? No Brasil, uma das preocupações do Banco Central é melhorar a comunicação com o público, buscando ampliar a interação no contexto de proteção ao consumidor, assim como divulgar sua política monetária. Como é feita a comunicação entre o BCBo e a sociedade de seu país? Até 2006, o
BCBo tinha pouco contato com a população e sua comunicação era
direcionada a um conjunto limitado de autoridades nacionais, através da
Memória Institucional. Essa publicação tinha periodicidade anual, e seu
conteúdo se restringia a descrever o desempenho econômico da gestão
anterior e suas demonstrações financeiras. Essas ações
permitiram melhorar a compreensão das tarefas e atividades do BCBo, com
ampla participação da cidadania, o que não só contribuiu para o
cumprimento das obrigações constitucionais de inclusão,
responsabilidade, transparência e prestação de contas, como também
posicionar as políticas propostas pelo ente emissor. Quais são as preocupações atuais com o sistema financeiro? O sistema
financeiro boliviano vem experimentando, há mais de dez anos, um
crescimento sustentável, no qual se destacaram o incremento dos créditos
e melhor utilização da moeda nacional. Também se evidencia sua solidez,
espelhada na taxa de juros mais baixa da região. Nesse sentido, não há
preocupações importantes relacionadas ao sistema financeiro. Entretanto,
o monitoramento preventivo, macro e micro, a inclusão financeira e a
implementação da nova Lei do Sistema Financeiro são tarefas contínuas e
constantes. O sistema de
intermediação financeira boliviano é heterogêneo em sua composição e
conta com bancos múltiplos, bancos PYME (Pequenas e Médias Empresas),
entidades financeiras de habitação, cooperativas e instituições
financeiras de desenvolvimento (60 entidades). Em 30 de abril de 2017,
92% do total de ativos correspondiam ao sistema bancário (17 entidades).
Os custos financeiros dos clientes se mantêm em níveis controlados,
resultado da regulação das taxas ativas de juros, de acordo com a Lei nº
393 e com os Decretos Supremos nº 1.842 e nº 2.055, que estabelecem
taxas máximas dos créditos para a habitação de interesse social e para o
setor produtivo. Quais são as estatísticas da bancarização e da inclusão popular no sistema financeiro? O BCBo tem a intenção de atuar para elevar o nível dos serviços bancários para a população? A Lei de
Serviços Financeiros estabelece que o sistema financeiro deve cumprir
uma função social e, portanto, a inclusão financeira é um de seus
pilares. O BCBo regula o sistema financeiro levando em consideração os
princípios dessa lei, inclusive no que se refere à inclusão. Nos últimos
anos, foi registrado um significativo crescimento desses indicadores na
Bolívia. O número de contas de depósito e de empréstimos quase duplicou
entre dezembro de 2010 e março de 2017. As mulheres representam 38% dos
empréstimos, e 52% correspondem a pequenos e micro tomadores. Da mesma forma, a infraestrutura mediante a qual as entidades de intermediação financeira prestam seus serviços à população, e a cobertura das agências bancárias por município registram uma tendência de crescimento. O número de
cartões de débito e crédito também aumentou, passando de 2,1 milhões de
cartões de débito, em dezembro de 2011, a 3,8 milhões, em março de 2017
(equivalente a 39% das contas de depósito), e de 89 mil cartões de
crédito a 126 mil no mesmo período (equivalente a 2,2% da população
economicamente ativa). No Brasil existe uma compreensão, especialmente nos últimos anos, de que por meio da educação financeira é possível difundir o uso adequado do dinheiro para que as pessoas não gastem além das suas possibilidades. Como o tema da bancarização é trabalhado no seu país? Antigamente,
o uso do sistema bancário estava restrito a setores minoritários. Isso
gerava uma alienação generalizada dos setores populares, resultando na
preferência pelas transações em dinheiro vivo. Há algum tempo, porém, o
BCBo tem tomado medidas e ações de aproximação entre o sistema
financeiro e a população, combatendo a centralização do poder econômico.
Como exemplo, existe uma utilização crescente de cheques e de mecanismos
de dinheiro eletrônico, como o uso de cartões de crédito. Da mesma
maneira, a prestação de contas não está restrita somente à capital ou à
sede de governo do país, mas também às cidades importantes das
diferentes regiões da Bolívia. Para o BCBo, educação financeira é uma
tarefa prioritária, porque permite envolver a população com o sistema
financeiro e, assim, aproximar as instituições bancárias aos setores
sociais mais carentes, que se encontram em contínuo crescimento. Nesse
sentido, o banco organiza periodicamente atividades educativas que
envolvam a população, tais como concursos, atividades culturais,
teatrais, etc. Os principais eixos abordados são: o cuidado e a
valorização do dinheiro e como diferenciar as cédulas verdadeiras das
falsas, uma vez que, como em diversos países, sofremos permanentemente
com essa prática criminosa. Assim, a educação financeira é um pilar para
a nossa instituição, pois temos por objetivo convencer os setores
historicamente marginalizados, os movimentos sociais e a população em
geral sobre a necessidade de recorrer ao sistema bancário.
OS TRÊS PODERES E O DESMONTE DO ESTADO
A efetivação de Michel Temer – ao contrário do que o senso comum imagina, influenciado por notícias sobre divergências pontuais entre autoridades dos três poderes e órgãos de controle resultou num arranjo em que os poderes cooperam e até dividem tarefas e atribuições na implementação da agenda do novo governo. Nesse novo arranjo, parece haver uma ação harmônica entre os poderes, numa espécie de distribuição de tarefas entre as instituições estatais, de tal modo que cada um deles cuida de aspectos específicos, porém complementares. Ao Poder Executivo competiria fazer a coordenação geral e cuidar, especialmente, do aspecto fiscal (corte de despesas e aumento de receitas extraordinárias); ao Legislativo competiria contribuir para a melhoria do ambiente de negócio (suprimir ou flexibilizar direitos, rever marcos regulatórios na economia e abrir a economia ao capital privado nacional e estrangeiro); e ao Judiciário, com seu ativismo judicial, contribuir com a missão dos dois outros poderes. Nesse diapasão, o Poder Executivo tem centrado sua atuação e prioridade na pauta fiscalista, tendo proposto ou apoiado as seguintes iniciativas:
O Poder Legislativo, por sua vez, priorizou a apresentação ou votação de propostas que contribuam para a chamada melhoria do ambiente de negócios, revendo marcos regulatórios, abrindo a economia ao setor privado e acelerando a deliberação sobre a flexibilização de direitos trabalhistas, cabendo destacar:
O Poder Judiciário, nessa mesma linha, julgou no STF várias matérias em sintonia com a agenda do novo governo:
A consequência desse arranjo, em torno da agenda neoliberal, resultará na revisão do papel do Estado brasileiro, que se voltará mais para garantir o direito de propriedade, assegurar o cumprimento de acordos e honrar os compro missos com os credores das dívidas interna e externa, além de contratar serviços nas áreas de saúde, educação e segurança no setor privado, do que para corrigir desigualdades, regionais e de renda, promover inclusão social, prestar serviços públicos de qualidade e formular políticas públicas de interesse social. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em artigo no
jornal O Globo do dia 5/2/2017, afirma que “adotar políticas que favoreçam
mais ao capital do que ao trabalho, ou vice-versa, depende da orientação
política do governo”. E o governo Temer, cuja agenda foi apropriada pelo
capital, comprova o que afirma FHC. (*) Jornalista, analista político e diretor de Documentação do Diap.
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